segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Reflexões sobre o Ano da Fé - Dom Alberto Taveira Corrêa

O salto da fé
Reflexões espirituais de Dom Alberto Taveira Corrêa sobre o Ano da fé

BELÉM DO PARÁ, segunda-feira, 22 de outubro de 2012 (ZENIT.org) - Eram os primeiros anos de sacerdócio, em minha primeira Paróquia, numa das mais gratificantes experiências do exercício do ministério, a atenção aos doentes, regularmente visitados, para o Sacramento da Penitência, a Unção dos enfermos e a Sagrada Comunhão, quando recebi uma das lições mais expressivas. Penso nos meus sacerdotes hoje, muitos deles dedicados semanalmente a tais visitas, testemunhas de milagres, quando Deus lhes concede muito mais do que levam aos verdadeiros santuários, que são os leitos dos que se fazem para-raios que, com sua oferta e oração contínua, sustentam silenciosamente a Igreja e os irmãos.
Pois bem, minha mestra espiritual, naquela ocasião, foi uma cega de nascença, no alto de seus oitenta e nove anos. Lembro-me de seu rosto curtido, com as marcas da ascendência escrava, da qual nunca se envergonhou. Recebidos os Sacramentos, diante das pessoas que comigo se encontravam, enquanto “saía um cafezinho novo”, pontificou diante do padre novo: “Agradeço a Deus por ser cega! O senhor não acha que a maior parte dos pecados começa com a vista? Ora, se não enxergo, posso pecar menos!” Fazia poucos anos em que tinha me debruçado sobre a afirmação do Senhor Jesus: “Se teu olho te leva à queda, arranca-o e joga fora. É melhor entrares na vida tendo um olho só do que, com os dois, seres lançado ao fogo do inferno” (Mt 18,9). Precisei de uma pessoa que nunca tinha lido uma letra para entender melhor a importância de viver sem pecado, coragem para resistir às tentações e perseverar no bem. É que aquela senhora enxergava mais do que todos, pois via com o coração. Seu horizonte era muito mais amplo e suas muitas lições permaneceram em seus familiares e frutificaram na Comunidade em que vivia.
“Cheios de grande admiração, diziam: “Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37). O contato de Jesus com as pessoas as deixa sempre marcadas positivamente. Ninguém passa em vão ao seu lado. Em Jericó (Mc 10,46-52), depois de uma escola de vida, durante uma viagem, na qual formava seus amigos escolhidos para a missão de levar a Boa Nova a todos, indica-lhes o modelo do discípulo justamente em Bartimeu, cego, mendigo sentado à beira do caminho e morador de uma cidade de má fama! Mais do que os alunos aplicados da escola do caminho, o rejeitado por todos, sobre o qual muitos teriam perguntado sobre eventuais culpas (Cf. Jo 9,2), é apresentado pelo Evangelho como modelo de discípulo.
Bartimeu é daquelas pessoas que não deixam escapar uma boa oportunidade (Cf. Raniero Cantalamessa, Gettate le reti, Anno B, PIEMME, 2004, Pág. 314). Ouviu dizer que Jesus, o nazareno, estava passando e agiu com prontidão, gritando no meio do povo, mesmo quando a “turma do deixa disso” quis calar sua boca. Era um mendigo da luz, queria enxergar! Como tantos homens e mulheres, jovens ou adultos de nosso tempo que pedem a esmola da luz verdadeira, querem conhecer a verdade, quem sabe às apalpadelas. Faz pensar nas muitas situações em que nosso tempo quer calar a voz da fé, para que se torne apenas um fato privado, com a pretensão de que desapareçam todos os sinais externos das convicções religiosas que sempre geraram cultura e valores. Bartimeu gritou em voz bem alta a sua fé, para dizer a todos que Jesus é o Messias prometido. Há gritos entalados, e vi muitos deles nas multidões do Círio de Nazaré de 2012, que querem chorar e espernear pelos valores do Evangelho e da dignidade das pessoas humanas. Há gente que quer dar o salto da fé, para sair do meio da multidão! Jesus pretende, através dos cristãos de hoje, aproximar-se de cada uma delas, para perguntar “o que queres que eu te faça?”. Para tanto, faz-se necessário dar um “trato” de atenção e carinho a todos os que estão afastados ou assim se sentem. Lá na margem dos lagos da vida, ou quem sabe, lá na correnteza violenta dos rios da existência, ou, quem sabe, na escuridão das vielas em que se escondem, há pessoas pedindo a esmola da verdade.
Ressoe de novo a palavra do Senhor: “Aclamai a Jacó alegremente, cantai hinos à primeira das nações! Soltai a voz! Cantai! Dizei: Senhor, salva teu povo, o que restava de Israel! Pois vou trazê-los de volta do país do norte, dos extremos da terra hei de reuni-los. Entre eles, cego e aleijado, mulher grávida e parturiente. Em grande multidão voltam para cá. Chegam chorando, suplicantes eu os traslado. Faço-os caminhar entre torrentes de água, por caminhos planos, onde não tropeçam; eu sou pai para Israel, Efraim é meu filho querido” (Jr 31,7-9). Norte, traslado, reunião de multidões, cego e aleijado, mulher grávida e parturiente, torrentes de água, caminhos onde as pessoas não tropeçam... Qualquer semelhança com o que vivemos no Círio, não é coincidência! É Providência!
Cabe-nos encontrar as formas adequadas para dizer “Coragem, levanta-te, Jesus te chama” (Mc 10,49). A cura das pessoas e das multidões virá pelo encontro com o Senhor que é Deus e homem. A Igreja, servidora e colaboradora da verdade, renove suas disposições para anunciar integralmente o Evangelho, no ano da Fé. Este será uma ocasião propícia a fim de que todos os fiéis compreendam mais profundamente que o fundamento da fé cristã é o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.  Fundamentada no encontro com Jesus Cristo ressuscitado, a fé poderá ser redescoberta na sua integridade e em todo o seu esplendor. Também nos nossos dias a fé é um dom que se deve redescobrir, cultivar e testemunhar para que o Senhor conceda a cada um de nós vivermos a beleza e a alegria de sermos cristãos (Cf. Bento XVI, Carta Enc. Deus caritas est, 25 de dezembro de 2005, n. 1 e Homilia na Festa do Batismo do Senhor, 10 de janeiro 2010).
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém

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